segunda-feira, 30 de julho de 2012

Baú

Nesses tempos andei refletindo sobre a gente, ser humano, ser tão carente de acontecimentos. Qualquer coisa que tenha um pouquinho de valor desperta uma vontade absurda de fotografar com a câmera ou com a memória. A gente escreve, desenha, guarda um papel de bala como se desse para pegar um momento e guardar para si. Isso tudo porque o que nos torna uma espécie superior às outras é nossa capacidade de lembrar em forma de narrativa, reconstruir algo que aconteceu e contar uma história. Essas histórias se tornam ficção depois de contadas, e acaba que não tem muita diferença entre a moral de uma fábula de La Fontaine e um provérbio no final de uma lição de moral dada pela nossa avó.
Enfim, mais uma vez não era sobre isso que queria falar. Para não ficar enrolando sem chegar em lugar nenhum, vou voltar para as lembranças assim, do nada.
Caixas, álbuns, pen drives e outras coisas servem para arquivar nossas emoções. Elas, às vezes, ficam num lugar que a gente mal lembra, empoeiradas, às traças. Geralmente encontramos quando vamos procurar aquele lenço que nem está mais na moda. Quando vemos que ali estão guardados anos de nossas vidas, perdemos uma tarde inteira, vamos noite a dentro tentando costurar tantos retalhos.
Mas tem quem cuide das suas recordações, quem coloque data nas fotografias, envelopes nos cartões-postais e organize as pastas por assuntos. Sou desse tipo aí. Quero preservar as coisas boas de um jeito que eu possa recuperar na hora que quiser e fazer uma reconstituição nível perícia. Gravo cenas inteiras, inspiro bem profundamente para gravar o cheiro, fico muda para que minha voz não interfira na lembrança.
Economizo o figurino para que as marcas não saiam, e assim, a cena seja reencenada perfeitamente. Sério, economizo as roupas que me lembram de alguma coisa. Tem roupas que usamos num dia que foi tão especial, que perdemos a coragem de usá-las de novo e enfraquecer a lembrança. Tem música que assim que começa traz uma lágrima ou um sorrisinho.
No entanto, por mais concretas que sejam as pontes que nos levem ao passado, elas quebram. Inundam, dão pane, se perdem na mudança. E por mais que a gente não tenha mais nada, a lembrança insiste em existir.
A verdade é que os fatos nos escapam na mesma hora em que acontecem e nem adianta tentar pegar. É o "instante-já" da Clarice. Existem no fundo do baú da mente e não há um jeito eficaz de fotografar.
Não é preciso chorar quando um papel se rasga e nem queimar um HD para esquecer. As coisas ainda acontecem lá dentro de nossas cabeças, mesmo que a gente não queira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário