Apesar de viver mais de onze anos frequentando uma
escola até chegar à universidade, quando chega o momento de ser professor,
surge um frio na barriga. A inversão de papéis, de aluno para professor, é
permeada por insegurança e entusiasmo. O período passado na faculdade é tão
distante da realidade escolar que faz com que a volta à escola, ainda mais como
professora, seja estranha para mim. “A escola” e “os alunos” foram tomados de
modo tão abstrato na graduação que fez com que eu me distanciasse de algo que era corriqueiro, que fazia parte do meu cotidiano.
No curso de licenciatura em português da UFSC,
começamos a tocar no assunto “ensino” apenas a partir da quinta fase. As disciplinas,
em geral, não são suficientes para nos reaproximar do contexto escolar.
Estudamos algumas teorias, porém são
reservadas poucas horas para problematizá-las e visualizá-las na prática. Mesmo
com uma carga “pesada” de leitura, não temos tempo reservado para dialogar com
os textos. São raras as oportunidades de propor questionamentos a outros
profissionais da educação, a textos, a autores. Somos, enquanto alunos,
acostumados a restringir nossa visão à visão do professor.
O professor “filtra” aquilo que devemos conhecer,
produzir e reproduzir. Assim, acabamos repetindo um comportamento
automaticamente. É criado em nós um comodismo que nos contenta com a amostra
que temos na graduação. Ao invés de abrir as portas para um mundo de opiniões e
experiências, vivemos dentro da “casinha” da universidade, desacostumados com
diferenças e surpresas.
Por isso é essencial cursar o estágio de docência antes de recebermos um diploma.
Ideal seria que tivéssemos mais oportunidades de inserção em sala de aula,
mesmo em momentos apenas de observação, porque precisamos supor situações reais
para aplicarmos o que aprendemos. Se já é complexo planejar atividades a uma
turma específica e real, é mais difícil ainda abstrair e imaginar um grupo de
pessoas “possível”. Não existem pessoas “possíveis” no mundo, existem pessoas reais.
Duas realidades são conhecidas com o estágio: professores estagiários conhecem a escola e a escola conhece o que acontece na universidade.
Duas realidades são conhecidas com o estágio: professores estagiários conhecem a escola e a escola conhece o que acontece na universidade.
O intercâmbio entre ambiente de pesquisa e de
atuação é produtivo, instigador. A instituição escolar ganha e os
alunos/professores estagiários crescem, expandem a visão. O crescimento é
pessoal também, se considerarmos que, ao lidar com pessoas, o trabalho
ultrapassa a mecanicidade.
Algo que incomodava no percurso da graduação era não
serem ditas “fórmulas” de como lidar, nem como depoimento. Como aluna, me
sentia perdida, sem ter para onde recorrer em caso de emergência. Mas depois de
ser professora entendi,
verdadeiramente, que não há como um modo de fazer funcionar em toda situação.
Emergências podem surgir, mas vêm sem aviso e dependem de muitos fatores para
serem resolvidas, incluindo reflexão e amadurecimento de ideias. Talvez por
isso meu julgamento sobre a forma de como cursos e manuais são abordados seja
um pouco “tendencioso”.
Não funcionam as fórmulas mágicas, os planos perfeitos. Nenhum livro didático, nenhum guru do conhecimento parece ser suficiente na hora do apavoro. Nenhuma dessas soluções encantadas conhecem de verdade o lugar onde são aplicadas. Por isso o diálogo com diversas pessoas – inclusive
com alunos – em variadas situações é essencial. Não podemos contar com o
suporte apenas de teorias que não conhecem o terreno de cada escola.
Os “teóricos” abstraem extremamente a ciência
“criada em laboratório” para que se encaixe em contextos distintos. As teorias
compõem as diretrizes e os manuais dos professores das escolas, mas os professores
não conhecem de modo pleno as teorias seguidas. Como estagiária, a obrigação
carregada é de conhecer as teorias, conhecer a escola e adequar uma a outra,
num movimento “redondo”, planejado para que ocorra sem falhas.
Entretanto, mesmo sendo a experiência mais valiosa
da graduação, o estágio continua nos moldando. Por acaso (e por sorte), com
orientação e escola abertas e colaborativas, foi gratificante todo o meu período de
estágio, o que não excluiu algumas formalidades e adequações.
Na elaboração dos planos de aula e dos projetos de
docência e extraclasse foi exigido rigor a uma corrente teórica, como se na
vida real as idéias não pudessem conviver e até se completarem. Ao contrário, o
tempo todo convergem, divergem, se refazem.
Claro que é imprescindível a formação acadêmica e o
traço de um caminho coerente, mas não podemos abrir mão da sensibilidade do
professor, ser humano que lida com outros seres humanos.
Como estagiários, nossas funções se restringem a dar continuidade a
algo em andamento. Devemos nos moldar.
Devemos. No entanto, o que fiz(emos) foi diferente.
Os alunos, as professoras, o “eu” que volta e meia
aparece puro na frente da turma são mais fortes que o passo a passo dos planos.
Olhando, observando com disposição para aprender e construir conhecimento faz
do professor amigo, conselheiro, facilitador e orientador, que alcança seus
objetivos traçados (lapidados!) mesmo que por outros caminhos e descobre objetivos atingidos que jamais foram imaginados. Levar a profissão de um modo exageradamente emocional é desaconselhável, mas, pelo menos para mim, não há como criar uma barreira exclusivamente profissional quando se é professor.
Mas quem diz isso sou eu. Cada um sabe de si e só vivendo para aprender.
É muito complicado passar por tanto tempo estudando e depois ver que na prática vale mais o "jeitinho" do que as teorias, ao menos comigo está sendo assim.
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